Alcione Melo Trindade do Nascimento; Jaileila de Araújo Menezes
14 de julho de 2013
Intimidações na adolescência: expressões da violência entre pares na cultura escolar
Intimidation in adolescence: expressions of peer violence in school culture
Alcione Melo Trindade do Nascimento; Jaileila de Araújo Menezes
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
RESUMO
O presente artigo aborda uma modalidade de violência que ocorre no contexto escolar entre pares de adolescentes, denominada de bullying e/ou intimidação. A pesquisa utilizou como referência a perspectiva sociocultural da psicologia social e do desenvolvimento e objetivou compreender os significados produzidos sobre as práticas de intimidação em contexto escolar. Participaram 28 estudantes entre 16-18 anos do Ensino Médio de uma escola pública da cidade de Recife/PE. Utilizamos a metodologia qualitativa, através dos recursos da observação participante e de grupos focais. Como resultado, destacamos o significado das relações de amizade para o grupo de adolescentes, que comprometiam o senso crítico individual diante das situações de desrespeito e humilhação em prol da manutenção da relação sócio afetiva, da homogeneidade do grupo e da posição conquistada entre os pares. As interações que produziam intimidações, a partir dos valores culturalmente significativos para o grupo, se sustentavam, pois eram mascaradas pelo tom de brincadeira.
Palavras-chave: violência nas escolas; intimidação entre pares; psicologia sócio-histórica e cultural.
ABSTRACT
This article discusses a type of violence that occurs in the school between pairs of teenagers, called bullying and / or intimidation. The research used as reference to sociocultural psychology and social development and aimed to understand the meanings produced on the practices of intimidation in schools. Twenty-eight students participated between 16-18 years of high school at a public school in the city of Recife / PE. We used qualitative methodology, using the resources of participant observation and focus groups. As a result, we highlight the significance of friendly relations for the group of teenagers, who undertook the individual critical sense in situations of disrespect and humiliation for the maintenance of socio affective relationship, the homogeneity of the group and the position achieved among pairs. The interactions that produced intimidation, from the culturally significant values for the group, if sustained, because they were masked by jokingly.
Keywords: school violence; peer intimidation; socio-historical psychology.
1. Introdução
O presente artigo trata de um estudo que realizamos sobre uma modalidade de violência entre pares de adolescentes, que ocorre no interior das escolas, denominada de bullying e que, doravante, trataremos conforme nossa tradução por intimidação. O interesse pelo tema surgiu da observação das interações repetidas desrespeitosas e agressivas entre pares que ocorriam nas oficinas socioeducacionais, em espaços escolares e clínicos, conduzidas pela primeira autora do presente artigo. Essas não cediam frente à intervenção e reflexão com os participantes; outra razão foi favorecer uma articulação da psicologia com a educação que inspirasse a construção de práticas psicossociais no cotidiano escolar, considerando o fenômeno da intimidação contextualizado socialmente. Por fim, buscamos, aqui, refletir sobre a violência na escola entre pares numa cultura escolar considerada de excelência, uma vez que a maioria das pesquisas investigam estudos comparativos entre escolas pertencentes a classes sociais diferentes ou escolas públicas com sérios problemas estruturais.
Dessa forma, o objetivo geral do nosso estudo foi compreender os significados e sentidos produzidos por adolescentes, em contexto escolar, acerca das práticas de intimidação. Para tanto, consideramos importante circunscrever o contexto escolar e os modos de sociabilidade que os adolescentes experimentam, relacionando-os com as práticas de intimidação; identificar as práticas de intimidação privilegiadas pela cultura de pares adolescentes, relacionando-as com as condições históricas, sociais, que as constituem; e, por fim, entender a dinâmica da intimidação, considerando os significados e sentidos produzidos pelos atores envolvidos na cena.
2. Contextualização do problema
2.1 A violência nas escolas
Podemos localizar os primeiros estudos e levantamentos sobre a temática da violência nas escolas na França, segundo Devarbieux (2001), entre as décadas de sessenta e setenta do século passado, cujo interesse eram os trotes e bagunças - que ninguém ousaria denominar de violência. Após 1975, o debate era sobre a questão de segurança e a necessidade de uma prevenção à deliquência juvenil. Na década de 1980, a partir desse debate sobre segurança e observando a explosão da violência urbana, surgiu um discurso endurecido considerando violência apenas os atos concretos que estavam contra a lei e a ordem estabelecida. Já na década de 1990, houve os incêndios e quebradeiras dos alunos dos liceus reclamando por mais segurança nas escolas. A justificativa para a violência dos adolescentes estava ancorada numa visão de resistência romântica da adolescência à dominação burguesa sobre a classe operária.
Destacamos duas contribuições teóricas sobre a violência nas escolas francesas: a primeira, na década de 1970, dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (Nogueira & Nogueira, 2002), sobre o conceito de violência simbólica compreendida como aquela que está presente na vida cotidiana dos sistemas educacionais (avaliação de alunos, estruturação de currículos e métodos de ensino); e a segunda, de 1990, definida por Debarbieux (2001) como incivilidade, em oposição a civilidade; tal denominação se refere às atitudes hostis, à falta de respeito nas relações sociais e ao clima tenso que se estabelecia na sala de aula.
Em outros países, como na Alemanha, os primeiros estudos sobre a violência nas escolas, no final da década de 1980 para 1990, são inconclusos e, segundo Funk (2002), não destacaram se havia um aumento ou diminuição da violência nas escolas alemãs. No entanto, na Bavária, entre 1994 – 1999, após um levantamento, concluiu-se que fatores sociais (etnia, sexo, idade, origem social) poderiam influenciar tanto a modalidade quanto a frequência dos atos violentos nas escolas.
Na Inglaterra, em 1967, Hargreaves (Hayden & Blaya, 2002) iniciou estudos que focalizavam a violência no local de trabalho dos docentes. Posteriormente, em 1989, um levantamento nacional, que investigou o comportamento e a disciplina de alunos, obteve como resultado uma visibilidade do bullying (denominação na língua inglesa para a intimidação).
Nos Estados Unidos, segundo Abromovay e Rua (2002), as pesquisas sofreram bastante influência da mídia, que focava a formação de grupos diferenciados ou que apresentavam um ponto de vista xenófobo. Porém, mais recentemente, essa visão tem sido contraposta, uma vez que vemos, desde a década de 1990 até a presente década de 2000, os atos de violência isolados ou em duplas de alunos que planejam assassinatos coletivos contra os colegas e depois se suicidam, ação facilitada pelo acesso dos adolescentes às armas de fogo naquele país.
No Brasil, desde a década de 1980, a partir do processo de democratização do Estado brasileiro, a temática da violência nas escolas vem sendo motivo de preocupação da sociedade civil (sindicatos de professores e associações de classe), inicialmente, na cidade de São Paulo. O avanço da abertura política não garantiu uma melhoria nos serviços públicos, e o que se observou foi uma explosão da violência urbana, fato que alcançou as unidades de ensino. Tal situação, na década de 1990, provocou debates na sociedade civil, que clamava por mais segurança nas escolas públicas (Sposito, 2001).
No Brasil, o interesse da comunidade acadêmica pelo tema da violência na escola começou a tomar corpo em meados da década de 1980. Segundo Sposito (2001), um dos primeiros estudos de Pós-graduação em Educação foi o de Áurea Guimarães, que investigou se havia relação entre as práticas autoritárias herdadas do período da ditadura com as causas da violência nas escolas, materializada na depredação do patrimônio escolar. Prosseguindo os estudos, no final da década de 1980, Guimarães constatou a diminuição da depredação da escola ao mesmo tempo que observou um aumento de brigas corporais entre os alunos, a despeito da presença ostensiva do policiamento e do aumento da segurança nas escolas públicas.
O debate sobre violência nas escolas impulsionou o interesse dos pesquisadores em estudar os jovens de classes sociais que não tinham acesso a bens e serviços, assim como os originários das escolas públicas municipais e estaduais, sob vários ângulos, e alavancou pesquisas tipo survey com temáticas como: juventude, escola, saúde reprodutiva e vitimização. Porém, Zaluar, na década de 1990, criticou as pesquisas que relacionavam juventude e pobreza e ressaltou a perversa equação que associava "desigualdades sociais, pobreza e violência" (Castro, 2002, p. 16). Quebrando essa lógica, Castro (2002) lembra o fato, em 1997, do assassinato do índio pataxó por jovens da alta classe média de Brasília e que tal acontecimento não podia ser ignorado pelos pesquisadores.
As pesquisas sobre violência nas escolas adquiriram caráter comparativo e passaram a investigar as escolas públicas municipais e/ou estaduais em diversas capitais. No Rio de Janeiro, na década de 1990, a violência na escola estava eminentemente associada ao crime organizado e, em Porto Alegre, procedeu-se à contabilização dos episódios de violência no interior das unidades de ensino.
Já na década de 2000, encontramos as cidades de Belo Horizonte e Florianópolis servindo de palco para pesquisas focais e detalhadas sobre a temática da violência nas escolas. Na capital mineira, grupos de jovens e estudantes de um mesmo colégio, mas residentes em diferentes comunidades, se enfrentavam no interior da unidade de ensino, pois um grupo estigmatizava o outro devido à localização do seu bairro na cidade em que residiam. Enquanto isso, na pesquisa de Laterman (2000), em Florianópolis o caos era paralisante e desorganizava o cotidiano escolar em escolas públicas estaduais.
Posteriormente, em 2002, uma pesquisa pioneira tipo survey sobre Violências nas escolas coordenada por Miriam Abromovay e M. G. Ruas cobriu 14 capitais do Brasil. Em Recife, destacou-se a presença dos atos violentos no interior ou no entorno das escolas, fato confirmado pela pesquisa desenvolvida em 2005 pelo Centro Josué de Castro em parceria com a Prefeitura do Recife. O resultado foi a localização de uma cultura do desrespeito e uma dificuldade em estabelecer as fronterias entre atos de violência e brincadeiras.
2.2 Pesquisando o bullying ou intimidação
Dentre as várias experiências de violência que acontecem na escola ou no entorno dela, as ações que interessam aqui são as interações entre os adolescentes no contexto escolar que caracterizam a presença do fenômeno Bullying. A palavra bullying é usada, internacionalmente, em inglês devido à dificuldade em se encontrar uma tradução para cada língua. Segundo Fante (2005) e Olweus (2004), bullying seria uma palavra usada na literatura técnica da psicologia anglo-saxônica que, vinda do inglês bully, significa valentão, tirano e que, como verbo, significa tiranizar, amedrontar.
Todavia, no esforço de encontrar um congênere para o português, optamos por adotar neste estudo a palavra intimidação, tal como propõe Debarbieux (2002), como alternativa à palavra bullying. Ao usarmos a palavra intimidação como sinonímia de bullying, objetivamos expressar tanto a pressão física ou psicológica grupal do agente sobre uma pessoa quanto a reação e as consequências (em contrapartida) de quem sofre a agressão, ou seja, ficar temeroso, apreensivo, constrangido e inibido.
A intimidação é um fenômeno mundial e antigo. Foi Dan Olweus, em 1973, que iniciou os estudos sobre essa prática na Noruega. Posteriormente, em 1989, junto com o pesquisador Roland, identificou e tipificou o fenômeno, assim como construiu e aplicou questionários a grandes quantidades de alunos. Esse conjunto de ações levou Olweus, em 1993, a publicar o livro Bullying at School com o resumo dos seus estudos, o qual serviu como guia para pesquisas e modelo de projetos de intervenção em vários países.
No Brasil, em 1997, surgem os primeiros estudos de intimidação conduzidos pela Professora Marta Canfield e seus colaboradores (Fante, 2005), apoiados numa metodologia parecida com a desenvolvida por Olweus, ou seja, aplicação de questionários a uma grande população de alunos em escolas públicas da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Outros pesquisadores pioneiros do fenômeno no Brasil foram os professores Israel Figueira e Carlos Neto (Fante, 2005) que, entre 2000 e 2001, investigaram o fenômeno nas escolas municipais do Rio de Janeiro. Assim como podemos citar a pesquisadora Cleo Fante que, durante o período de 2000 a 2003, aplicou questionários a estudantes nas escolas públicas, particulares e rurais no interior de São Paulo, constatando a presença do fenômeno entre os adolescentes.
A pesquisa de Kátia R. Pupo, de 2007, do Mestrado em Educação/USP, investigou a violência moral (incivilidade ou bullying) no interior da escola a partir de uma perspectiva de gênero. Concluiu que havia diferenças entre alunos e alunas quanto à tolerância à intimidação e sobre a visão dos conflitos.
O crescente interesse da sociedade civil e dos pesquisadores sobre o tema é devido, entre outros, às consequências da prática de intimidação para os envolvidos. Para as vítimas, podemos destacar: baixa autoestima, isolamento social, inibição da capacidade de desenvolver e manter relações interpessoais satisfatórias e estáveis, redução na concentração, problemas de sono, irritabilidade, isolamento, exclusão dos grupos, discriminação, abandono da escola, desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e psicossomáticos até sentimentos e prática de vingança. Já para os agressores, fica a marca da resolução de conflitos através do uso da força, com condutas antissociais, delituosas e que margeiam a deliquência com sérios conflitos com a lei (Fante, 2005; Olweus, 2004).
Após essa contextualização, iremos apresentar as abordagens sócio-histórica e cultural por nós adotadas para compreender a intimidação.
3. Apontamentos teóricos
3.1 Abordagens sócio-histórica e cultural
Adotamos os referenciais teóricos da psicologia sócio-histórica e da psicologia cultural. Da primeira, destacamos o trabalho do psicólogo russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), que se contrapôs a uma visão positivista e naturalista da psicologia da época, ao enfatizar a importância da realidade histórica e social do homem para a atividade psíquica.
Vygotsky denominou a adolescência como "edad de transición" (Vygotsky, 1996, p. 11), momento no desenvolvimento humano investigado a partir das variáveis concretas que descrevem suas principais ocorrências: a maturação sexual, a constituição de novos interesses e a ampliação das funções psíquicas superiores (memória, atenção, percepção). A construção da categoria adolescência para Vygotsky está ancorada na produção de significados sociais, sentidos (re)elaborados pelos adolescentes, mediatizados através dos sistemas simbólicos da linguagem e da cultura, articulados com os aspectos históricos e sociais concretos, no qual o adolescente está inserido.
Na abordagem cultural do psicólogo norte-americano Jerome S. Bruner (1990), encontramos a ênfase nas características situacionais e socialmente compartilhadas pelo grupo de adolescentes diante do fenômeno investigado. A psicologia cultural de J. S. Bruner (1990), ao ser articulada com a educação, subsidiou-nos para entender as negociações intensamente experimentadas no interior do processo de intimidação, negociações situadas e dependentes das dinâmicas interpessoais, dos valores estabelecidos no espaço educacional e dos sentidos atribuídos ao fenômeno pelos atores da cena. Atores que narravam e explicavam suas ações, presentificando a importância da intersubjetividade nos seus discursos.
Essas perspectivas nos auxiliaram a estudar e caracterizar o fenômeno, a unidade de ensino e os grupos de adolescentes, procurando entender como e quais elementos interacionais, pessoais e dos contextos sócio-históricos e culturais interferiram nos episódios de intimidação entre pares adolescentes.
3.2. Sobre a intimidação: da perspectiva clínica à perspectiva sócio-histórica e cultural
Foi Dan Olweus (2004) quem melhor caracterizou a intimidação, destacando três aspectos: a intencionalidade de provocar dor ou sofrimento a alguém; a frequência ao longo do tempo dessa ação; e, por fim, o desequilíbrio de poder.
Essa definição orientou toda uma linha de investigação em vários países da Europa e Brasil. Realizaram-se pesquisas de cunho eminentemente quantitativo com aplicação de questionário a grandes quantidades de alunos para sondar a existência do fenômeno e sua incidência nos estabelecimentos de ensino.
Os principais "atores" envolvidos na intimidação são: o intimidador, considerado o autor da intimidação (com subtipos: intimidador líder, intimidador seguidor, intimidador vítima, e os reforçadores – que incentivam o intimidador e riem da vítima); o intimidado ou a vítima são os que sofrem a intimidação (com subtipos: vítimas passivas, vítimas agressivas ou intimidadoras-vítimas, vítima provocadora e os defensores – que defendem a vítima); e os espectadores ou observadores, que observam a intimidação e convivem com a lei do silêncio porque têm medo de ser as próximas vítimas. (Fante, 2005; Olweus, 2004).
Basicamente, há dois tipos de intimidação: a direta e a indireta. A intimidação direta diz respeito aos ataques diretos contra a vítima e tanto pode ser fisica – expressa através de atos direcionados ao corpo da vítima (espancamento, roubo, agressão) – quanto verbal e expressa por xingamentos, ofensas verbais, ameaças e gritos. Por outro lado, a intimidação indireta consiste em intimidar indiretamente o outro, através de exclusão do grupo, isolamento, ironias, piadas, gozação, imitação (escondida) do colega, difamação das famosas brincadeiras inocentes.
Registre-se que atualmente vem surgindo uma outra categoria de intimidação, o cyberbullying. Neste tipo, os meios de comunicação (celular, internet) e aparelhos eletroeletrônicos (câmaras, gravador) são usados para intimidar o outro.
As definições sobre intimidação, como a compreendem Olweus (2004) e Fante (2005), focam uma posição clínica, que lembra a teoria dos instintos (comportamentos agressivos estão dentro da pessoa, de modo inato e instintivo) e a teoria da reação/frustração (o homem nasceria com uma agressão que surgiria a partir de um sinal que o impulsiona a responder ao mundo externo). Essas teorias abordam a intimidação a partir de uma perspectiva individual e comportamental. As vítimas são incapazes de se defender, com o agressor podendo apresentar algum distúrbio emocional. Isolam a leitura do fenômeno do contexto social e histórico e apresentam uma posição dicotômica dos envolvidos.
Debarbieux (2002) critica as investigações sobre a temática da intimidação que replicam as pesquisas de Olweus (2004), pois usam excessivamente metodologias padronizadas através dos questionários, indicando uma leitura psicologizante do fenômeno, "sem questionar os sistemas educacionais e políticos" (Debarbieux, 2002, p.73). Essa visão da intimidação apresenta um caráter eminentemente clínico. Apesar dessa crítica, reconhecemos a justa contribuição de Olweus (2004), na Europa, de Fante (2005), no Brasil, ao caracterizarem e sistematizarem a intimidação, incentivando projetos de intervenção, com o apoio governamental, nos diversos países.
Optamos por abordar a intimidação numa perspectiva sócio-histórica e da psicologia cultural, que considera: 1º) a ausência de igualdade na relação entre pares e 2º) a prática intencional de desumanizar o outro. Dessa forma, a intimidação é uma ação que nega a alteridade numa relação entre pares que convivem num mesmo contexto cultural, demonstra ser uma tentativa intencional de eliminar essas partes indesejadas no outro (aqui se assemelha ao preconceito), não o considerando na sua humanidade e singularidade.
Assim, Simmons (2004), nos Estados Unidos, é outra autora que nos auxiliou a compreender a intimidação numa perspectiva cultural, pois criticou as pesquisas iniciais sobre o tema, dada a ausência das meninas nas estatísticas. E, após realizar entrevistas individuais e grupais com garotas vítimas ou autoras da intimidação, concluiu que a intimidade, típica das relações de amizade entre meninas, era usada como arma contra a vítima, o que ela denominou de agressão indireta (pois evita o confronto declarado), como estratégia para manipular, vingar-se e dominar a outra. Situação que camuflava atos de intimidação entre as garotas, pois aproveitava a reprodução de mitos e estereótipos que reprimem a expressão da agressão nas meninas. Ela a denominou de agressão relacional "porque magoa (ou ameaça prejudicar) relacionamentos ou sentimentos de aceitação, amizade ou inclusão no grupo" (Simmons, 2004, p. 23).
No Brasil, a pesquisadora Luiza Camacho (2001) investigou as sutilezas das faces da violência entre pares (12 – 15 anos) de uma mesma turma, em duas instituições de ensino, em Vitória, no Espírito Santo. Concluiu que as violências ou incivilidades encontradas eram sustentadas pela demarcação das diferenças como desigualdades e inferioridade social. "Brincadeiras" e gozações eram as formas utilizadas para expressar os preconceitos na sala de aula, evidenciando uma intolerância ao diferente, resultando em exclusão e agressão entre os pares.
As autoras Lourdes Bandeira e Analía S. Batista (2002) denominam de "atribuição negativa" as situações em que a diferença e a diversidade dos atores sociais com relação aos marcadores sociais (classe, raça/etnia, credo, orientação sexual) são ressaltadas de modo negativo, reproduzindo discriminações e preconceitos ao obstacularizarem a possibilidade de existência do outro enquanto ser social. Negação da alteridade que provoca violências. Os preconceitos são formados a partir de códigos (códigos corporais, comportamentais, emocionais e códigos linguísticos) previamente estabelecidos pela sociedade como discretos marcadores sociais, mas que resultam em situações de exclusão social, desequilíbrio de poder e manipulação e introjeção do terror no outro.
Por fim, os autores Deborah Antunes e Antônio Zuin (2008) trazem uma preciosa contribuição ao relacionarem a intimidação com o preconceito. Criticam as metodologias exclusivamente quantitativas empregadas para se estudar a intimidação, as quais valorizam a herança das ciências positivistas. As listas de classificação dos tipos de intimidação denunciam o tamanho da barbárie produzida no interior da escola, pois mais a coisificam, ao descontextualizá-la. A falta de articulação dos dados quantitativos com o contexto social produz a falsa ilusão de que a intimidação ocorre sem razão aparente.
A psicologia descomprometida com uma leitura sócio-histórica e cultural dos fenômenos utilizaria preceitos do bom comportamento moral para enquadrar os alunos envolvidos na intimidação e, com isso, acabaria contribuindo com a violência. Ela não promoveria uma leitura crítica e acabaria assim por explicar as ocorrências pelo viés da irracionalidade dos envolvidos.
Partindo desses pressupostos, o nosso posicionamento ante a conceituação da intimidação é que ela não é um ato de agressão gratuita, mas sim uma situação de violência marcada por discriminação e preconceitos, socialmente construídos e sustentados por uma cultura escolar que fica alheia a esse fenômeno.
4. Apontamentos metodológicos
Abordamos o fenômeno da intimidação a partir da pesquisa qualitativa. Essa modalidade de investigação "trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões" expressos pelos indivíduos em contextos sócio-históricos e culturais (Minayo & Sanches, 1993, p. 247). Tal perspectiva de pesquisa se alinha à psicologia sócio-histórica por ressaltar a análise do processo do fenômeno social, em vez dos resultados, assim como a explicação do fenômeno a ser descrito. A pesquisa qualitativa, em uma perspectiva sócio-histórica, entende a realidade e a relação homem/mundo como mediada por sistemas simbólicos e pela cultura. A linguagem, enquanto um sistema simbólico, informa-nos acerca dos sentidos produzidos pelos adolescentes no processo de intimidação, bem como favorece um diálogo da pesquisadora com os participantes da pesquisa.
Os adolescentes da nossa pesquisa tinham entre 16 e18 anos, cursavam o Ensino Médio em um colégio público, com 50 anos de existência. Considerada uma escola de excelência, devido aos inúmeros prêmios nas mais diversas áreas do conhecimento científico, seu corpo docente era formado por mestres e doutores. A opção por esse estabelecimento de ensino se deu: (a) por ser um campo de estudos e aplicação de novos métodos educacionais; (b) por ser uma instituição pública, poder comportar alunos das diversas classes sociais, origens étnicas e culturais, diversidade que colocava em evidência a tarefa de convivência com as diferenças, que são justamente acionadas em situação de intimidação.
Dessa forma, visando a coaduná-lo com o referencial teórico adotado, o nosso procedimento de coleta de dados consistiu em duas etapas: a primeira foi a observação participante (2º semestre/2007) - modalidade de coleta de dados em que o pesquisador está presente no mesmo ambiente que os participantes da pesquisa, para conhecer os contextos sociais e históricos; a segunda etapa compreendeu a realização dos grupos focais, coleta de dados que consiste num amplo debate focado num tema para discussão.
Na segunda etapa, realizamos três grupos focais (GF): o primeiro grupo focal (GF I) contou com 8 (oito) participantes (dezembro/07) e objetivou apreender o conceito de intimidação para os adolescentes; o segundo grupo focal (GF II), na modalidade de entrevista coletiva, foi direcionado para todos os alunos da turma, e o objetivo foi investigar o conceito de adolescência, de formação de grupos e as expressões da intimidação. Ao final da atividade, eles responderam a um questionário socioeconômico cultural. O terceiro grupo focal (GF III) objetivou entender a dinâmica e o conceito da intimidação criado pelos adolescentes a partir do procedimento de autoscopia – recurso técnico que consistiu em apresentar imagens anteriormente gravadas dos sujeitos para sua apreciação (Sadalla & Larocca, 2004). No caso da nossa pesquisa, mostramos as imagens editadas do GF I aos oito participantes, visando se observarem e refletirem sobre elas. Todos os grupos focais foram devidamente registrados em imagem e texto escrito com o devido consentimento de pais e adolescentes.
O procedimento para a análise dos dados coletados dos grupos focais foi norteado pela perspectiva desenvolvida por Wanda Aguiar e Sérgio Ozella (2006), dos Núcleos de Significações, autores baseados na psicologia sócio-histórica que objetiva apreender os sentidos e significados expressos nas comunicações verbais dos participantes da pesquisa, assim como os afetos, comunicações corporais e atividades dos adolescentes, contextualizados no ambiente em que convivem. A preferência pelo registro das falas dos adolescentes é para avançarmos além do concreto da palavra expressa e entendermos os sentidos por eles atribuídos às suas práticas interacionais, que poderiam sugerir a intimidação.
Desse modo, as falas dos participantes foram transcritas, organizadas e analisadas separadamente para cada um dos GF. Processo que resultou em listas de palavras denomidadas de pré-indicadores. Essas palavras foram organizadas num processo de aglutinação, a partir de critérios como semelhança, complementariedade e contradição, criando um sentido para as listas de palavras, que adquiriram um status de indicadores. A condensação dos indicadores favoreceu a obtenção dos seus conteúdos até então estudados em cada um dos GF. Na sequência, foi realizada a união dos materiais dos três GF e obtivemos os seguintes conteúdos: corpo, identidade negociada, infância, amigos, exclusão, grupos, classes sociais, adultos, brincadeiras, intimidação, homossexualidade, medo e competição. Esses conteúdos foram articulados com os objetivos da pesquisa para finalmente estabelecermos os Núcleos de Significações que citaremos a seguir:
1º Núcleo: Os balizadores da identidade adolescente: da imagem corporal à "Fera X" como referência para a identidade adolescente;
2º Núcleo: O intimidador: alguém se junta, escolhe um bode expiatório e começa a tratá-lo mal;
3º Núcleo: No fio da navalha: brincadeiras e violências no grupo de amigos;
4º Núcleo: A vítima: presa numa apatia infeliz;
5º Núcleo: A próxima vítima.
5. Analisando os dados
A observação participante nos ajudou a contextualizar os participantes e o cenário da pesquisa. Com relação aos aspectos socioeconômicos, observamos que os alunos eram originários de famílias pertencentes a diferentes classes sociais, mas apresentavam um ethos em comum de ascensão social através dos estudos. De acordo com Velho (1997, p. 26), "ethos é um estilo de vida, uma organização das emoções", "uma visão de mundo". O grupo almejava alcançar profissões liberais ou do alto escalão do funcionalismo público. Percebemos que esse projeto familiar já havia sido iniciado quando seus filhos aliviavam o orçamento familiar das mensalidades escolares, uma vez que estudavam em uma escola pública e de qualidade.
Um traço político marcante, com relação à escola, é a participação dos alunos no conselho de classe, na eleição direta para diretor, além da existência da associação de pais, demonstrando processos de democratização. No entanto, para ingressar nesse estabelecimento de ensino, era necessário passar por uma disputadíssima seleção que buscava "alunos de excelência", o que acabava excluindo de uma escola pública aqueles que tanto precisavam.
Esse "perfil de excelência" acabou sendo o epicentro dos episódios de intimidação entre pares, pois os alunos com dificuldades de aprendizagem ou que obtivessem notas baixas eram alvo de agressões verbais, xingamentos e humilhações. Intimidações denominadas por eles de "brincadeiras" e que, por esse motivo, eram naturalizadas pelos docentes e alunos. Ao serem consideradas como naturais na adolescência, tornam-se invisíveis e correspondem a uma banalização da violência. "Violência que se torna perigosa porque não é controlada por ninguém ... e provoca a insensibilidade ao sofrimento, o desrespeito e a invasão do campo do outro" (Camacho, 2001, p. 10).
Passaremos, agora, a pontuar a análise de cada núcleo de significações. No primeiro núcleo, Os balizadores da identidade adolescente: da imagem corporal à Fera X como referência para a identidade adolescente, encontramos as seguintes falas (todos os nomes dos adolescentes citados são fictícios): Ana Olívia (17 anos): "Eu estava obesa". Diogo (16 anos): "Eu estava mais magro". Ana Olívia: "É porque eu tenho vergonha da minha pessoa". Guadalupe: "Eu odeio me ver". João Augusto (16 anos): "Eu odeio me ouvir". Guadalupe: "A voz fica estranha, tudo fica feio, desagradável". Guadalupe: "Então, sou uma fraude". Paulo (16 anos): "A gente tem características que não dependem da classe social". Segundo o adolescente Diogo (16 anos), o Fera X "é múltiplo, plural"; para Cecília (17 anos) "ele é estudioso e detesta tirar nota baixa"; e para Guadalupe (16 anos): "mora na biblioteca".
A identidade do adolescente se caracteriza pela dimensão psicossocial, que comporta aspectos sociais, psíquicos e corporais. A percepção das mudanças corporais é experimentada pelos adolescentes dos dois sexos de forma sofrida e dolorosa, pois remete tanto aos constantes ajustes subjetivos, que precisam ser efetivados diante de um corpo em mudança, quanto por causa das exigências da sociedade de consumo que premia uma modelagem corporal apolínea. Outro aspecto da identidade adolescente é o significado atribuído aos estudos, através da denominação Fera X, que corresponde ao estudioso e perito que busca, por meio da participação em concursos, avaliar o seu saber, ao competir, e vencer, com outras pessoas do mesmo nível de compreensão das informações. Essas dimensões são marcadores sociais que expressam uma adolescência culturalmente determinada por valores que correspondem ao grupo de pertença.
O segundo núcleo, o intimidador: Alguém se junta, escolhe um bode expiatório e começa a tratá-lo mal, frase do participante Toinho (18 anos), que continua: "Eu sei, já no fundo, que você [dirigindo-se à sua vítima] se sente totalmente irritado ... Mas, no fundo, você fica feliz ... Isso tudo acaba... dizer que fica chateado... isso é mentira... Eu não acredito nisso". João Augusto (16 anos) reflete: [a pessoa procura] "um negativo daquela pessoa, diferença daquela pessoa, você usa para deixar ela em seu lugar [diz, abrindo e fechando aspas com os dedos]. Você usa para deixar aquela pessoa para baixo".
O intimidador é um ator que conta com o apoio dos intimidadores seguidores, da plateia silenciosa, e apresenta popularidade e liderança tanto no seu grupo quanto na sala de aula, condições fundamentais para a escolha da vítima e obtenção do apoio dos pares. A escolha da vítima é baseada em algum sinal, característica ou diferença negativada no grupo cultural de pertença. Esse processo é comparado com o preconceito, no qual, segundo Lourdes Bandeira e Anália S. Batista (2002, p.18), a imagem-corpo do outro é "racionalizada, apropriada de forma burocrática e impessoal", preparando essa imagem-corpo para o fenômeno do preconceito e constituição de uma "diferença imagética que é desvalorizada" e alçada à condição de estopim da intimidação.
Os adolescentes intimidadores claramente demonstravam: (a) falta de empatia com a vítima; (b) obtenção de prazer na irritação do outro; (c) certeza de que não seriam punidos; (d) necessidade de controle sobre o outro; (e) a consciência da prática da intimidação. A diferença é aproveitada pelo intimidador líder para encurralar a pessoa no seu grupo de convivência. E se o grupo de convivência é vital para o adolescente, uma vez que os adolescentes buscam a autonomia em relação aos pais e passam muito mais tempo com os pares, em relações horizontais (Calligaris, 2000; Oliva, 2004), a diferença publicizada torna-se temível à reputação do intimidado no seu grupo. Gera-se um constante clima de ameaça que é utilizado como arma para intimidar e calar a vítima.
No terceiro núcleo, No fio da navalha: brincadeiras e violências no grupo de amigos, citamos os seguintes recortes: Elias (18 anos) diz: "É normal, aqui não tem bullying ... só piadinhas inocentes". E Gael (17 anos):
Fazem a brincadeira só para ver[em] a pessoa ficar irritada. Meus amigos fazem isso comigo, sempre ... Ah! [es]tava só brincando, você se estressa muito fácil. [Es]Tava só brincando. Aí fica aquela pressão, a pessoa acaba tendo que ... ceder ... Como ele é muito meu amigo eu acabo relevando.
Nesse núcleo, percebemos a força da relação de amizade como um vínculo que sustentava práticas de intimidação. Segundo Menezes (2005, pp. 253-254), a relação de amizade é definida por critérios de afinidade e lealdade. Relação que suporta uma diferença "não pejorativa", mas, se o diferente for o outro não amigo, a diferença será intolerável e carregada de preconceitos. "Brincadeiras" não eram censuradas se o intimidador fosse amigo da vítima ou da plateia. O intimidador permanecia protegido com o véu da intimidade construída na relação de amizade e jogava o amigo - foco da intimidação - no fio da navalha, deixando-o em dúvida sobre como reagir, já que não queria perder a amizade. "Porém até que ponto segue a intimidação na relação de amizade?" (Pesquisadora indaga). Responde Ana Olívia (18 anos): "tem que saber medir isso; uma coisa é você ser engraçado, uma coisa é você ser sem noção. ... Acho que a medida depende da relação". A pessoa "relaxa" ou "releva" e continua sendo gentilmente agredida para poder manter a amizade, o status, evitar ser denominada de estressada e assegurar a coesão grupal construída ao longo de anos de convivência no espaço escolar (Simmons, 2004).
O quarto núcleo, A vítima: presa numa apatia infeliz, remete à condição de sofrimento do adolescente intimidado e sua desilusão diante a transformação da relação de amizade (com todas as expectativas de proteção, confiança) em agressão relacional. Mário (16 anos) diz:
Às vezes, não é nem a pessoa que opta por isso, é que, às vezes, a pessoa sofre tanto isso, tanto esse tipo de agressão, que, além de tudo, não pode combater, sabe que não vai conseguir; ela sente injustiça, ela sente apatia ... E aí ela não consegue fazer alguma coisa para mudar. Aí dá muita injustiça, raiva e aquela apatia infeliz. Não é aquela apatia entregue.
Nesses eventos, Simmons (2004) chama a atenção para o fato do intimidado sustentar a agressão relacional, pois apesar de todo o sofrimento vivenciado deseja reestabelecer a confiança, a intimidade, o senso de proteção e solidariedade próprios às relação de amizade. É esse desejo que explica o fato de comumente o intimidado evitar os confrontos diretos e se manter nessa posição. Por isso o intimidado raciocina entre o fazer e o dizer, levando em conta as circunstâncias, "resultando em negociações internas que conduzem as nossas vidas uns com os outros" (Bruner, 1990, p.29).
No quinto núcleo, A próxima vítima, refletimos acerca da relação do observador com os outros atores que acompanham a intimidação na condição de plateia. Vejamos a fala de Ana Olívia (18 anos):
Eu ... fico brava assim, com raiva da situação, porque é tão injusto o que acontece, você pegar e por puro prazer seu ... você tem que machucar os outros, você vai tirar o bem-estar daquela outra pessoa ..., acho que revolta. O que está acontecendo, o que eu posso fazer com... isso? Vou chegar lá e vou falar o que estou sentindo para eles? Sim, mas, ao mesmo tempo que revolta, tenho medo de ser vítima, de ser a próxima vítima.
O observador pratica a lei do silêncio por medo de ser a próxima vítima (Fante, 2005). Silêncio que é interpretado, pelo intimidador, como aprovação, que pode ser demonstrada através de gestos, sinais, e com o riso; nesse caso, o observador é denominado de cúmplice da intimidação. Porém há a posição do observador não-cúmplice (que pode deslizar para a posição do observador cúmplice), ator que se revolta e percebe uma injustiça diante da prática da intimidação. Tenta apoiar a vítima, mas, no final, se cala, tanto por medo de ser a próxima vítima quanto por reconhecer que está sozinho. Situação em que não conta com ninguém para ampará-lo e ainda corre o risco de perder o espaço no grupo de pares. A decisão em ser de um lado ou do outro está comprometida com a relação de afeto e intimidade que o observador mantém com o intimidador. Intimidade que, por não ser abertamente declarada, filtra julgamentos sobre o ato da intimidação (Simmons, 2004).
6. Considerações finais
Conforme registros da observação participante e depoimentos nos GF, as práticas de intimidação eram consideradas como um movimento próprio da adolescência pelos docentes e alunos. Por esse motivo, eram naturalizadas na convivência escolar ao serem apresentadas como "brincadeiras", denominação que se fortalecia com a ausência de intervenção pedagógica no momento da intimidação. A dificuldade em identificar a "brincadeira" como intimidação estava na forma como ela se expressava sutilmente a partir dos valores da instituição escolar e acobertada pela relação de amizade que o intimidador mantinha com a vítima e a plateia. Outra possibilidade para naturalizá-la era motivada pela falta de informação dos docentes, sobre as expressões e modalidades de violências praticadas no contexto escolar, criando uma situação de desamparo e impunidade.
Outra questão importante abordada foram as relações entre pares como um fator significativo para a construção da identidade adolescente, na sua dimensão interpessoal, social e cultural, pois demonstrou ser custoso para os envolvidos reconhecerem e enfrentarem sozinhos a intimidação, sem o apoio dos professores e demais funcionários da escola. Situação que requer projetos de intervenção que foquem as relações interpessoais dos adolescentes no contexto escolar.
Referências
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Alcione Melo Trindade é Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. Integra a equipe técnica de pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL/UFPE). Especialista com título (profissional) em psicologia clínica pelo Conselho Regional de Psicologia. Trabalha com crianças e adolescentes em contextos da psicologia clínica, da psicoterapia e em espaço socioeducacional. Endereço: Rua João Fernandes Vieira, 574, Empresarial Fernandes Vieira, sala 103, Boa Vista, Recife/PE, Brasil. CEP 50050-200. Email: alcimelo@hotmail.com
Jaileila de Araújo Menezes é professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco. Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão vinculadas aos Centros de Educação e Filosofia e Ciências Humanas. Atua no Programa de Pós-graduação em Psicologia na linha de pesquisa Processos Psicossociais, Poder e Práticas Coletivas. Pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL/UFPE). Email: jaileila.araujo@gmail.com
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