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Contra os Mendelianos - Entrevista com Michael Wigler

Por: Nikhil Swaminathan

29 de fevereiro de 2008

Contra os Mendelianos - Entrevista com Michael Wigler
Ao analisar grandes eventos genéticos, Michael Wigler desenvolveu uma teoria unificada sobre o autismo que traz nova luz ao assunto
por Nikhil Swaminathan
Quando Michael Wigler percebeu que os pesquisadores estavam usando métodos de genética clássica para tentar "chegar ao fundo" do autismo, decidiu conduzir seu trabalho de uma maneira diferente. Ao analisar como grandes acontecimentos genéticos, ele desenvolveu uma teoria unificada sobre o autismo que traz nova luz ao assunto.

A busca por polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) - substituições, subtrações ou acréscimos de uma única base ao longo do código genético - associados ao autismo resultou em poucas novidades sobre os traços genéticos do distúrbio. Recorrendo a seu trabalho sobre o câncer, Michael Wigler achou que analisar eventos maiores - especificamente variações do número de cópias, em que grandes segmentos de DNA são duplicados ou suprimidos - que se manifestassem espontaneamente em uma criança (sem aparecer em um dos pais) poderia ajudar a revitalizar esse campo de pesquisa. Em um estudo publicado em março do ano passado na Science, ele e seus colegas demonstraram que esses rearranjos genéticos maiores poderiam ser responsáveis por 30% dos casos de autismo. Após esse trabalho, em julho ele divulgou um segundo artigo, publicado na Proceedings of the National Academy of Science USA, que apresentava uma teoria unificada para a genética do autismo, atribuindo 75% do transtorno à mutação espontânea.

Para a matéria Contra os mendelianos, publicada em março de 2008 na SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, Nikhil Swaminathan conversou com Wigler sobre a recepção por parte da comunidade científica, a origem de suas idéias e o impacto que ele espera provocar com essa polêmica teoria. A seguir, a entrevista completa.
Sciam: Como sua teoria genética unificada sobre o autismo foi aceita pelos colegas de trabalho e pelo público em geral?
Wigler: Pessoalmente falando, não recebi nenhuma ameaça de morte. Não recebi nenhum telefonema dos meus colegas me dizendo que sou um idiota. Mas recebi alguns e-mails de outros cientistas me dando os parabéns pela maravilhosa integração dos fatos. E recebi uma série de ligações de jornalistas em busca de explicações. Em geral, fiquei relativamente desapontado com a cobertura da mídia, pois o que foi dito não foi bem compreendido, mas o que estamos dizendo é de fato um tanto complicado. Então, acho que dá para desculpar a gafe. Algumas das piores afirmativas foram aquelas que diziam que estávamos culpando as mães. Isso foi um tanto revoltante.

Em geral, não acho que as publicações tiveram o impacto que eu gostaria que tivessem tido. Acho que a polêmica deveria ter sido maior sobre as implicações dessa certa mistura de mutações e modelos herdados em outros distúrbios como a esquizofrenia. Não acho que a penetração tenha sido assim tão profunda. Acho que a idéia foi bem assimilada na comunidade de geneticistas que estudam o autismo. Mas não há nenhuma outra linha de raciocínio além da nossa sendo estudada no momento.

Sendo assim, não importa se o modelo está certo porque todos estão procurando variações no número de cópias, pois os métodos para identificar associações de SNP são considerados ... inúteis. Outros tipos de condutas de pesquisa sobre autismo que apresentam potencial estão em famílias com muitos casos de procriação consangüínea, em que é possível utilizar métodos clássicos. Quem está seguindo essa linha de pesquisa é o Chris Walsh. Ele viajou para o Oriente Médio onde ainda há muitos casamentos consangüíneos e tentou analisar essas famílias.
Mas, em última análise, estudar casamentos dentro das mesmas linhagens apresenta uma abrangência limitada, não é?
Bem, sim e não. Nossa principal hipótese é que, de fato, há mais de cem loci ou talvez muito mais. Não há apenas um loci que será o fator etiológico comum. Sendo assim, qualquer gene em particular que nos diga algo é valioso.

Basicamente, dividimos a tarefa genética em duas partes: a primeira parte é encontrar genes com penetração muito alta - ou seja, quando esses genes sofrem mutação, então suas chances de apresentar autismo são muito altas, no caso de um menino. São esses que nos dirão algo sobre os mecanismos básicos subjacentes. Há outra classe de genes que são modificadores e a evidência de que existem vem da observação de que meninas não demonstram sinais de autismo com a mesma freqüência. Esses genes podem ter um impacto pequeno no fato de mudarem as chances de você ser autista - cada um, sozinho, pode não ter importância, mas quando eles se juntam, sua força é grande. Esses são mais difíceis de encontrar.

Então, essencialmente, são mutações nos fatores de transcrição?
Sim, fatores que mudam o equilíbrio da conectividade no cérebro, por exemplo. São importantes de identificar, pois têm para modificar o resultado do distúrbio, se for possível detectá-lo cedo o bastante.

Na minha opinião, os modificadores provavelmente são polimorfismos comuns. Não acredito que os fatores que são fortes colaboradores sejam comuns no genoma. Provavelmente são coisas que surgem a partir de mutações e sobrevivem no grupo de genes humanos por, uma, duas ou três gerações antes de serem eliminadas por serem realmente terríveis.É por isso que as mutações espontâneas provavelmente resultariam em autismo nos homens?
O modelo diz que a maioria dos casos esporádicos é, de fato, tão rara quanto alguém ser atingido por um raio, algo que ninguém gosta de pensar a respeito. Estou acostumado a pensar no assunto porque pesquiso o câncer e quando alguém tem câncer, é como se um raio tivesse caído sobre sua cabeça. É comum ouvir as pessoas dizendo, "minha alimentação é correta, faço exercícios, não fumo" e mesmo assim não são poupados do câncer. Acho que é natural para as pessoas desejarem encontrar uma causa que seja controlável, mas os processos aleatórios não são controláveis. As pessoas são muito relutantes em aceitar a falta de sentido como um fator em suas vidas.

Até que ponto você se sente confiante em atribuir uma grande parte de sua teoria à aleatoriedade, com todas as notícias de maior incidência de autismo recentemente?
Alguns aspectos chamam muita a atenção. Um deles é a aparente incidência maior. Outro é a impressão de muitos pais de que seu filho está se saindo bem e se desenvolvendo dentro da normalidade e depois, repentinamente, parece desenvolver a sintomatologia. São esses dois aspectos que acredito que levam as pessoas a pensar em termos de modelos que não são genéticos. Então, provavelmente devemos falar sobre eles separadamente.

Quanto à freqüência maior, não sou epidemiologista, mas ouvi as idéias muito convincentes de um epidemiologista canadense que realizou uma análise muito cuidadosa e chegou à conclusão de que não havia um aumento mensurável real na freqüência - a constatação se deve muito mais ao fato de mais pessoas estarem sendo diagnosticadas. Ouvi a mesma conversa de outras pessoas que não são epidemiologistas profissionais, mas parece haver um consenso geral de que quando o critério de diagnóstico foi consolidado em meados dos anos 90; o momento corresponde de certa forma à mudança súbita de direção dos diagnósticos - só então a taxa de diagnósticos começou a aumentar.
E quanto à incidência maior ser provocada pelo medicamento timerosal nas vacinas, a taxa continuou a aumentar, mesmo com a substância química sendo removida das imunizações há mais de seis anos.
Não estou familiarizado com essa informação sobre as vacinas e o que foi feito sobre o assunto. Posso dizer que estou mais inclinado a afirmar - e é realmente uma inclinação - que isso não quer dizer nada. Mas você não pode publicar essa afirmação sem dizer também que não estou ciente sobre os dados; que digo isso apenas com base na minha intuição. Sendo assim, tendo isso em mente, essa é apenas a opinião de um cidadão comum.

Então, a incidência maior se deve, em grande medida, ao maior número dos diagnósticos. É possível que haja razões para esses pequenos aumentos. Isso pode estar relacionado com a idade com que os casais estão tendo filhos. Pode haver uma explicação no padrão de casamentos que de alguma forma aumenta a taxa, mas aí estamos entrando em território perigoso.

Então, quanto à teoria unificada, em que momento os fatores ambientais entram em cena?
Só porque estamos falando de genética isso não quer dizer que também não estamos falando do ambiente - isso vem em primeiro lugar. Se pegarmos 100 pessoas e todas forem expostas ao mesmo ambiente, e uma reagir de forma negativa a ele, os responsáveis são a genética e o ambiente. Sendo assim, dizer apenas que algo é genético não quer dizer nada se não for levado em conta também o ambiente. Esse é o ponto principal. O segundo ponto que afirmamos é que nosso modelo - a população da análise genética que realizamos - parte do princípio de que estamos falando de genética. Não podemos voltar atrás e dizer que a teoria prova que se trata de genética.

Não há nada no artigo que nos coloque em desacordo com as pessoas que de fato desejam pensar que há algo errado no ambiente.
Você mencionou que crianças aparentemente normais de repente demonstram sintomas do distúrbio. Isso não seria desencadeado por algo ambiental?
Há uma noção subjetiva de que a criança retrocede em 25% dos casos, mas o caso não é exatamente que a criança esteja regredindo, mas sim que a experiência subjetiva dela está. Aliás, conheci cientistas que me contaram uma histórica sobre uma criança de três anos de idade, que estava se desenvolvendo muito bem, e depois de fato começou a regredir. E isso veio de um observador treinado, então acho que há pouco o questionar quanto ao fato de que há casos em que algumas crianças apresentam regressão. E isso não significa necessariamente que algo está relacionado ao meio, embora pareça ser a conclusão lógica, pois acho que em muitos casos, por exemplo, o que ocorre são doenças de armazenamento. A criança continua com seu desenvolvimento normal; mas o "pára-choque" do corpo chega ao seu limite e em seguida ocorre a catástrofe.

Os casos em que há regressão são extremamente interessantes. Eles sugerem um mecanismo molecular diferente, mas não necessariamente que uma criança tenha sido vacinada e esteja apresentando uma reação imunológica.

Então, você encara a nova teoria sobre o autismo como um plano de ataque para descobrir a doença?
Ela afirma que "se deseja desvendar essa doença em termos genéticos, aqui está uma razão para pensar que isso é possível seguindo esse caminho". A teoria de fato tem uma aplicação clínica - não no momento, mas terá. As técnicas que são desenvolvidas para pesquisar as causas resultarão em tecnologias mais sólidas, de maior resolução e mais baratas que depois poderão ser usadas quando os pais entrarem pela porta do geneticista pediátrico e lhe perguntar o que há de errado com seu filho ou filha.
Você acredita que as pessoas seguirão as idéias propostas por você?
As pessoas já estão fazendo isso. Não importa se acreditam ou não no que foi dito no artigo da PNAS. Ele está correto, e guiará a pesquisa quer acreditem nele, quer não, pois os avanços surgirão ao se observar as mutações espontâneas. Então não importa se acreditam ou não naquilo que foi dito. Se por um lado a comunidade tem conhecimento de que é possível identificar mutações espontâneas em crianças autistas, por outro ninguém sabe de antemão quanto do autismo se revelará, mas muitos grupos estão procurando usar este método tanto para o autismo quanto para a esquizofrenia. Estamos estudando doenças congênitas de coração. Certamente retardamento mental.

A abordagem da análise geral da variação do número de cópias como a causa para a doença genética talvez tenha dado um desses saltos exponenciais - provavelmente um hiper-salto. Sendo assim, em 2003, publicamos o artigo da Science [que demonstrava que há quantidades relativamente grandes de variações no número de cópias entre pessoas normais saudáveis]. Acho que já em 2005 ou 2006 houve um encontro na American Genetic Association do qual não participei, mas aqueles que estiveram lá disseram muitas coisas sobre a variação do número de cópias. Há uma enxurrada de vertentes dessa abordagem.

O que a teoria realizou socialmente?Antes de tudo, ela desafia o esquema existente. Ou seja, se não for possível entender uma doença genética específica, ela lhe proporciona uma forma alternativa de pensar sobre o assunto. Também proporciona uma análise quase rigorosa de como devemos usar os dados da população para inferir modelos genéticos. A metodologia baseada em como usar os dados sobre recorrência entre irmãos, por exemplo, não sei se foi publicado um artigo desse gênero nos últimos 15 anos que analise os dados e elabore um modelo genético que combine a teoria de Mendel e a espontânea. Ela pode ser a única nesses termos. Provavelmente existem outras doenças, como esquizofrenia, depressão e talvez até diabetes, que poderiam render o mesmo tipo de população de análise genética. Isso meio que abre conceitualmente as portas para, talvez, a causa desconhecida da mutação espontânea.

O verdadeiro artigo que merece destaque é o de abril de 2007 [publicado na Science], que afirma que a mutação espontânea é mais alta nos casos de autismo.
 
Qual foi sua previsão percentual de casos de autismo em razão da mutação espontânea, em seu artigo?
Na PNAS, dissemos 75%; no artigo da Science, dissemos que 30% seriam mutações espontâneas da variante de número de cópias. O artigo da PNAS afirma que 75% dos casos de autismo podem ser provocados pela mutação espontânea, não necessariamente pela variante do número de cópias. Poderia ser um novo SNP.

Voltando à questão sobre o que a teoria faz com a prática científica: ela, de certa forma, exalta a prática. Ela apenas diz para continuar fazendo o mesmo de sempre, procurando por mutações espontâneas para encontrar suas respostas. Você pode acreditar ou não. Se ela for correta, aqueles que acreditam vencerão. Se for incorreta, aqueles que acreditam perderão.

A teoria proporciona uma forma de desenvolver modelos que incorporam a mutação espontânea e a herança mendeliana, mas também faz algo que segue a seguinte linha de raciocínio: como procurar genes modificadores? Então, já no final do artigo, só nos resta este fato extraordinário e inexplicável, que é: as meninas não apresentam o problema com a mesma freqüência que os meninos. Ela sugere que deve haver modificadores genéticos que expliquem o fato. Talvez seja apenas o estrogênio. Mesmo se fosse o estrogênio, o responsável não seria apenas o hormônio, também teria que ser algo específico. De fato isso levanta questões mais profundas sobre o que é diferente entre o cérebro masculino e feminino. Para mim, isso sugere que são apenas modificadores genéticos simples e sugere, caso seu significado seja desvendado, uma maneira para procurar por eles.

Nas versões anteriores, explicamos como procurá-los. Se você tiver este modelo em mente, vai querer comparar mães e filhas; mães que, acredita-se, são as portadoras, e filhas que apresentam a doença. Isso resulta em um par para comparar com a genética clássica.
Tudo é uma relação entre sinal e ruído. Se estiver procurando no mundo todo, seu sinal estará perdido em meio a coisas que não são o que se revelará como sendo um forte sinal genético. Se você se concentrar na subclasse certa da população, esses métodos podem funcionar. Então, um caminho é analisar a relação mãe-filhas. E o outro é analisar os irmãos, quando ambos apresentam autismo - sendo o primeiro um caso grave de autismo e o segundo, não - algo que acredito que os geneticistas não estejam fazendo. Caso seja um mendeliano e tenha dois irmãos com autismo, vai analisar o que eles têm em comum, pois é isso que está provocando o seu autismo. Mas, eu pergunto, "Como eles se diferem, se estão em extremidades diferentes do espectro?" Isso lhe renderá aspectos genéticos hereditários - pois presumidamente eles herdaram o mesmo alelo causativo principal.

As pessoas que realmente deveriam estar prestando atenção a este modelo, caso acreditem que ele seja correto, são aqueles que estão interessados em alavancar as posturas mendelianas para descobrir genes modificadores.

Você já chegou até a essa conclusão graças ao seu trabalho com o câncer?
Acho que não teríamos o modelo ou a conduta para a pesquisa sobre autismo de hoje sem estarmos condicionados pela nossa experiência com o câncer. Minhas primeiras experiências quando vim para Cold Spring Harbor foram sobre o isolamento de oncogenes. Esses oncogenes eram ativados por mutações pontuais. No laboratório em que trabalhava antes, tudo era voltado para as hipóteses mutacionais. Como essas mutações provocam o câncer? Uma das primeiras e mais importantes hipóteses biológicas em que estive envolvido foi a idéia de que as mutações pontuais em genes normais apresentam o potencial de gerar câncer.

Sendo assim, minha orientação, para começo de conversa, não era mendeliana, mas sim voltada para os efeitos da mutação espontânea. Em seguida, quando começamos a análise, à medida que nossas ferramentas se tornavam cada vez mais poderosas, ficou claro que havia muitas mutações no câncer, mas algumas dessas mutações desapareciam ao compararmos células de câncer com normais. Então, a pessoa era um caso anormal em relação ao que então se acreditava ser o padrão do genoma humano. E esse foi o primeiro indício de que havia uma variedade maior do tipo que estudaríamos diretamente mais tarde, resultando no artigo da Science de 2003. Mas a primeira vez que nos deparamos com essa possibilidade foi estudando o câncer.
Sendo assim, você deixou de analisar o genoma e passou do nível do SNP para uma visão mais macroscópica?
Nunca analisamos o genoma a partir do nível do SNP. Estávamos estudando o câncer e o comparando algumas vezes com pessoas sem parentesco - tecidos normais de pessoas sem parentesco e em alguns casos tecidos normais da mesma pessoa - e identificamos mais diferenças nas comparações com uma pessoa sem parentesco que nas comparações com uma pessoa normal. E esse foi, de fato, nosso primeiro indício.

Ninguém estava prestando atenção à variação do número de cópias. Havia muito falatório sobre os SNPs. Havia essa discussão de bastidores sobre o conceito de "inserção/ subtração" de modo que, quando os seqüenciadores tentaram formar o genoma, tiveram grande dificuldade em certos lugares e desenvolveram o conceito de inserção/ subtração. Ocorre uma inserção ou subtração, não se sabe qual delas, qual versão do genoma acreditar, então, pressupõe-se uma pequena inserção ou subtração. Sempre era pequena, pois, novamente, no seqüenciamento, não é possível ver o pedaço. Sendo assim, havia essa vaga noção de que o genoma tinha tipos de variação que simplesmente não eram SNPs.

Ninguém estava estudando isso com seriedade, nem tinha uma noção de como era comum, e se seria algo fácil de estudar. E foi por meio de nosso trabalho comparativo sobre o câncer que percebemos que seria fácil estudar o assunto, que ele era relativamente comum, e depois nos dedicamos a um estudo que resultou no artigo de 2003 da Science. Foi esse o histórico de nosso trabalho.
 
E como essa linha de raciocínio passou para o autismo?
O autismo era um exemplo daquilo que as pessoas chamam de um distúrbio genético complexo que não estava sendo devidamente compreendido pelos estudos associados ao SNP mendeliano. As pessoas realmente estavam quebrando a cabeça para entender esse enigma. Era raro dois grupos chegarem à mesma conclusão. E era relativamente fácil para mim acreditar que essa não era a abordagem correta para o autismo, nem para outras doenças genéticas complexas, como a esquizofrenia ou a obesidade - entre muitas outras. Havia dois aspectos que acreditava estarem sendo deixados para trás. Um deles era o papel potencial da mutação espontânea. De fato havia três coisas: a possibilidade de mutação espontânea; a possibilidade de variantes raras que não existem na população por muito tempo porque foram eliminadas rapidamente; a possibilidade de haver muitos loci que poderiam contribuir para o distúrbio. Esses três fatores geralmente não eram analisados e a forma como os Mendelianos tentaram lidar com isso era dizer: "Essas doenças são complexas, causadas pelo alinhamento dos planetas", sendo assim, haveria quatro ou cinco loci, e se a configuração do alelo for errada nesses quatro ou cinco loci, o resultado seria a doença. Era algo parecido com a hipótese que você ouviu falar para explicar onde está o erro.

E era uma hipótese nada satisfatória, pois, antes de tudo, não é passível de teste. Em segundo lugar, isso lhes deu esperança para pensarem que poderiam continuar a usar seus métodos, apenas sendo necessário aumentar a potência para, no final, conseguir o sinal. Então, foi uma postura, digamos, bastante egoísta. E não gostei nada disso. Realmente não gostei. Havia grandes quantias em dinheiro que patrocinavam esforços gigantescos desse tipo.

Mas, para mim, parecia que havia hipóteses mais simples. Tudo o que precisávamos fazer era admitir que havia a possibilidade de existir múltiplos loci e múltiplas mutações, cada um deles com um forte impacto e alta penetração, e ainda assim seria possível os métodos de Mendel falharem.
Levando em consideração que a esquizofrenia, a diabetes e outras doenças também possam funcionar da mesma forma, há algo que faça a balança se inclinar em favor do autismo?
Por muito tempo achei que o autismo era a doença certa para adotar esse método, mas não tinha a verba para um estudo da proporção que seria necessária. Portanto, era só uma hipótese.

Quando foi que você teve a idéia de aplicar sua metodologia no autismo?
Pelo menos desde 1992, acho eu. Passamos a ter a metodologia em uma forma mais consolidada apenas por volta de 2001. Comecei com a RDA [análise de diferença representacional, um método de microarranjo para realizar rapidamente a varredura de diferenças entre dois genomas], mas essa análise ainda era difícil demais para realizar. Quando partimos para a ROMA [análise de microarranjo de oligonucleotídeo representacional, a geração seguinte em tecnologia], a pesquisa tornou-se mais viável, mas não tínhamos a verba. E eu não tinha muitas esperanças de conseguir essa verba.

Mas por uma incrível coincidência, havia um filantropo que estava interessado em nos patrocinar, Jim Simons, que eu conhecia por motivos completamente diferentes. Jim me ligou para pedir meu conselho sobre uma concessão que daria para o deCODE [empresa de pesquisa genética islandesa]. Então, fiz uma ligação para ele e disse "Autismo, autismo! Adoraríamos estudar o autismo!" Então, expliquei qual era a conduta de nossa pesquisa e ele gostou. Ele nos deu uma verba inicial pequena que, na verdade, para nós, era uma grande quantidade de dinheiro na época. Acho que o financiamento começou antes do artigo de 2003, mas já estávamos caminhando nessa direção.

Em seguida, com a ajuda de mais uma coincidência de sorte, entrei em contato um colega meu da Columbia, Conrad Gilliam [hoje na University of Chicago]. Ele fazia parte do consórcio AGRE [Aurism Genetic Resource Exchange] e dessa forma tínhamos acesso às amostras do AGRE e podíamos contar com seu apoio cheio de entusiasmo. Há uma certa ironia aqui, pois os AGREs eram multiplex e eu na verdade queria estudar simplex, pois é menos provável identificarmos mutações espontâneas em famílias multiplex, e é mais provável identificá-las como a causa em famílias simplex. Conrad achava que encontraríamos o que estávamos procurando entre as multiplex. Finalmente, fui até ele e disse que realmente desejávamos estudar as simplex. Conrad nos contou sobre Jim Sitcliffe [um físico molecular em Vanderbilt University, que tinha um acervo de famílias simplex]. Conrad foi de grande ajuda ao nos apresentar à comunidade.
Teve alguma experiência com portadores de autismo que tenha despertado seu interesse pelo distúrbio?
Tenho conhecimento sobre o assunto porque o irmão de minha namorada [do colegial] era autista. Na época não sabia o que era autismo. Depois, por intermédios de nossos filhos, conheci amigos na vizinhança que tinham filhos autistas. Então tinha conhecimento das conseqüências devastadoras para uma família. Já que boa parte dos meus últimos 20 anos foi dedicada a formar uma família, sou muito sensível às questões familiares.

Se você é um biólogo, mesmo um geneticista, então está mergulhado em uma cultura em que se ouve repetidas vezes quais problemas frustram as pessoas. Se você for sensível à cultura em que vive, essas coisas serão como sinais em néon, e não fatos obscuros. Estava claro para mim que há um conjunto de problemas genéticos que não estavam sendo solucionados pelos métodos clássicos, e alguns deles eram socialmente devastadores. A esquizofrenia era o mais óbvio, mas o autismo era tão recorrente quanto à esquizofrenia e provavelmente mais devastador em termos sociais. Talvez o mais devastador de todos seja o alcoolismo.

A menos que você seja muito desligado da realidade, sabe que o autismo é um problema grande e ainda sem solução. Além disso, se de alguma forma você for sensível ao apoio do público à pesquisa biomédica, então deve ter percebido que as pessoas têm demonstrado desapontamento a esse respeito. É um pouco como tentar resolver múltiplas equações em uma tacada só. Em primeiro lugar, há um problema urgente ainda sem solução. Em segundo lugar, o público vem perdendo a fé no retorno às pesquisas em biologia molecular, particularmente, no Projeto Genoma Humano.

Além disso tudo, sou um oportunista. Estar vivo é ser um oportunista. Temos uma metodologia que poderia ser usada para câncer e estamos fazendo exatamente isso. Mas também temos uma metodologia que poderia ser usada para estudar doenças genéticas. Dessa forma, é, de certo modo, inevitável trabalhar com esse problema evidente que não vem demonstrando progresso nas mãos de outros. E o progresso não tem acontecido porque acredito que é preciso ter uma compreensão genética de um distúrbio antes de pesquisar qualquer coisa. A menos que seja o tipo de coisa que possa ser corrigida cirurgicamente.

Sendo assim, isso não aconteceu de uma hora para outra. Venho falando sobre a pesquisa no campo do autismo desde 92 ou 93. Acho que ainda existe uma necessidade muito real do público em apoiar a pesquisa. O campo de pesquisa tem sofrido muito com a administração Bush por pelo menos dois motivos. O primeiro, objetivamente, é que os recursos financeiros foram reduzidos. Além disso, o sujeito é tão anti-intelectual que as pessoas boas do governo, necessárias no controle financeiro destinado à pesquisa, se tornaram cínicas ou deixaram seus cargos. Dessa forma, o país sofreu dois duros golpes com essa administração.

Naturalmente há a necessidade de o grande público perceber que os cientistas se importam com suas preocupações e que podem trabalhar em estudos que não o levará à falência -e que podem, sim, melhorar sua vida e a de seus filhos.
MICHAEL WIGLER
PENSAMENTOS ESPORÁDICOS: Ele propõe que as mutações espontâneas, além das mutações que obedecem os padrões básicos de herança mendeliana, podem explicar as intrigantes hereditariedade e perpetuação do autismo.

DISTÚRBIO MISTERIOSO: Os sintomas do autismo vão desde deficiência cognitiva até comportamento anti-social e obsessivo A doença atinge uma em cada 150 crianças nascidas nos Estados Unidos.

REDE AMPLA: Ele acredita que sua teoria unificada sobre o autismo pode ajudar também a explicar outras doenças genéticas complexas como a esquizofrenia, a depressão, a obesidade mórbida e a diabetes.
 
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